For Emma, Forever Ago

Lucil JR
5 min readJun 19, 2023

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Bon Iver é Justin Vernon, um músico de Eau Claire, Wisconsin, uma cidadezinha americana interiorana típica, com menos de 100 mil habitantes. Justin já tinha experiência na música antes de lançar For Emma, Forever Ago: havia tocado e gravado com algumas bandas e também já tinha um álbum solo, lançado de forma independente.

Após ficar realmente doente por alguns meses e se sentir frustrado com diversos aspectos de sua vida (trabalhava em uma lanchonete, ainda não tinha superado o término de um relacionamento, foi chutado de sua banda — perdendo assim também os amigos, que eram os demais membros, estava com depressão , enfim, havia chegado ao fundo do poço), ele dirigiu por 18 horas até chegar à sua cidade natal, Eau Claire, no interior do Wisconsin. Foi então à cabana de caça do pai, com o objetivo passar um período sabático ali.

Um detalhe importante: no porta-malas do carro ele levou um equipamento portátil de gravação e alguns violões e guitarras. Vernon recebia periodicamente suprimentos enviados por seu pai, mas também caçava a própria comida. O que era para durar apenas algumas semanas se alongou por 3 meses. Sozinho, no inverno brutal da região, ele teve tempo de sobra para pensar na vida e para compor — o que começou a fazer após a terceira semana de isolamento.

Essa história de um homem isolado em uma cabana compondo canções folk foi romantizada e enfeitada com o passar do tempo. Vale lembrar que também não foi algo único — Bruce Springsteen compôs Nebraska mais ou menos assim, e há as Basement Tapes, do Dylan com o The Band, que seguem quase a mesma linha.

A primeira capa do álbum, lançado de forma independente.

Após retornar para a cidade, Vernon pediu a alguns conhecidos para que tocassem trompete, trombone e bateria em algumas músicas e também teve ajuda na masterização. O álbum, composto por 9 canções folk, todas com arranjos minimalistas, vocais sobrepostos em falsete e eventuais metais, com músicas delicadas e intimistas foi lançado de maneira independente, o que chamou a atenção das pessoas certas. Justin conseguiu então lançar o álbum por uma gravadora e o resto é história. De um homem deprimido e sem rumo em uma cabana solitária no meio da neve até parceiro de composição de Taylor Swift, podemos dizer que foi uma trajetória e tanto.

For Emma, Forever Ago, o álbum

A primeira canção, Flume, começa com um violão tranquilo e com voz em falsete cantando “I am my mother’s only one//It’s enough” e traz um refrão com vocais delicadamente sobrepostos cantando “Only love is all maroon//gluey feathers on a flume//Sky is womb and she’s the Moon”, com dedilhados dissonantes ao fundo. É uma confortável introdução.

Lump Sum segue a mesma linha da canção anterior e usa a metáfora de um barco parado em um mar se vento. Um barco sem movimento, no meio do nada. Marasmo. Em sua última linha, no entanto, há uma pequena esperança: “We will see when it gets warm”…

Skinny Love foi o hit do álbum e chegou a ser regravada por alguns artistas. Tem um refrão menos introspectivo e mais cantante. O violão também tem um ritmo menos sorumbático aqui. No refrão, um aviso/pedido à amante para que o relacionamento dê certo:

“And I told you to be patient//And I told you to be fine

And I told you to be balanced//And I told you to be kind

And now all your love is wasted//And then who the hell was I?”

E, ao fim: “Who will love you?// Who will fight?//Who will fall far behind?”

Ainda que pareça um pedido desesperado para que um relacionamento floresça, há algo nesta letra que soa passivo agressivo; é um pedido ou uma cobrança velada, um aviso de que se não for assim, não vai dar certo? Provavelmente, as duas coisas.

Wolves (Act I & II) é a continuação de Skinny Love. Começa lenta, tímida, com acordes simples e vocais sobrepostos que cantam sobre o fim. Na segunda metade, um crescendo em coro entoa “What might have been lost (Don’t bother me)”. Há certo cinismo aqui, típico de quando o sentimento pelo amor perdido passa de tristeza para uma aparente indiferença.

Blindsided é a canção mais aberta a interpretações de todo o álbum. Fala de um retorno à cidade interiorana do músico? De uma traição descoberta? De depressão? É sobre não enxergar o todo, sobre tentar entrar em algum lugar e ver algo que não deveria? Musicalmente, segue a mesma linha de todo o álbum.

Em Creature Fear, o ressentimento se mistura ao medo de saber que há um futuro. Mas qual? Esta canção é seguida de Team, curta e instrumental, onde uma caixa de bateria militar se mistura a assovios que imitam trompetes, em uma espécie de introdução bélica para uma guerra patética.

Após a introdução anterior, somos apresentados à música título do álbum: For Emma, Forever Ago. É a melhor composição, com um refrão cativante e, musicalmente, é a que mais se desenvolve, tendo inclusive um solo de trompete. Trata-se de superação (ou, pelo menos, de uma reação ao marasmo) e é dirigida ao antigo amor, com o qual se relacionou há uma eternidade. O sentimento cínico persiste: “With all your lies//You’re still very lovable”. Vernon ainda fala sobre buscar a luz e caminhar por estradas desconhecidas. Em uma entrevista ao The New Yorker, o músico disse que Emma não é necessariamente uma pessoa, mas um lugar em que você fica preso e que causa uma dor difícil de se livrar.

Por fim, Re-Stacks. Agora, sim. A superação real, o seguir em frente. Sem rancor, sem toda aquela atitude passivo agressiva e autocomiseração. O amor ainda existe, mas está seguro e bem guardado para sempre:

This is not the sound of a new man or crispy realization

It’s the sound of the unlocking and the lift away

Your love will be

Safe with me

Capa do álbum lançado pela Jagjaguwar

For Emma, Forever Ago não é um clássico. Não chega a ser uma obra-prima. É um registro musical sobre uma jornada pessoal, sobre um término e sobre seu desdobramento até a superação. Este álbum provavelmente não vai mudar a sua vida. Mas tudo nele soa como um abraço. É acalentador e confortável como um cobertor macio e grosso em um dia de inverno, como sentar em uma poltrona ao lado de uma lareira, com alguma bebida quente em mãos. É uma ótima companhia.

* curiosidades inúteis: Conheço o álbum desde seu lançamento independente, em 2007 — na época, fiz download ilegal em um obscuro blog de folk. Ouço periodicamente desde então. No final de 2022, em uma tarde fria e cinzenta, caminhando pelas ruas do centro de Curitiba, entrei em um sebo qualquer e encontrei o CD, por um preço ridiculamente barato.

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