Sobre OZU

Lucil JR
4 min readAug 28, 2020

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Se quer saber quem é OZU, use o google. Se quer ver os filmes dele, há diversos disponíveis no Youtube (e posso enviar qualquer um para quem realmente se interessar). Enfim, este texto não é para falar sobre OZU e muito menos tem uma pretensão de fazer algum tipo de crítica cinematográfica. Isso já foi feito à exaustão por gente muito mais competente e capaz. Nos parágrafos abaixo tentarei explicar por que ele é o meu cineasta favorito.

Primeiramente, falarei rapidamente da imagética/estética de OZU, para fins de contextualização. O diretor era maníaco por controle de cenário. Cada item, cada cor, cada móvel, parede, luz, placa, quadro, tudo mesmo era feito por ele para que ficasse perfeitamente como imaginado. Ele mesmo escrevia os ideogramas presentes nos cenários, por exemplo. Locais limpos, com cores pastéis e demais detalhes que aparentemente não chamam absolutamente a atenção, na verdade servem como reforço estético do núcleo das histórias do diretor/roteirista (e de seu costumeiro colaborador Kōgu Noda): a simplicidade.

Seus personagens não fazem movimentos bruscos, raramente elevam a voz e sequer se movimentam muito em cena. A câmera está quase sempre alinhada à altura da chabudai. Seus personagens e cenários nunca são elevados ou diminuídos com plongées/contra-plongées. Não há closes, tampouco mudanças frequentes de planos. E em todas as cenas a câmera é estática. Não há nenhum tipo de invasão, de imersão. Observamos a vida passar, com seus personagens e suas conversas, de uma maneira quase respeitosa, guardando a devida distância, o que nos deixa com uma sensação de espectadores in loco, como estivéssemos ali no mesmo cômodo. Os cenários se repetem eu seus filmes: casas, bares, locais de trabalho e eventuais caminhadas ao ar livre.

Um bom exemplo do que eu disse no parágrafo acima é a icônica chaleira vermelha do filme Flor de Equinócio, de 1958. Ela está ali, em um canto da sala, sobre um suporte de madeira. Aparentemente deixada após um chá. Mas um olhar um pouco mais atento pode notar como ela está perfeitamente alinhada à quina das paredes. Além disso temos, na profundidade de campo do segundo plano, um quadro e um vaso, com sua sombra. Tudo detalhadamente pensado. A simplicidade, afinal, não é algo simples de se construir no cinema.

Isso dito, vamos ao que realmente interessa: as histórias contadas por OZU e Noda. É possível generalizar os temas de seus filmes com certa facilidade, pois são sempre os mesmos: tudo gira em torno de família, solidão, (novos e velhos) costumes, gratidão (ou a falta dela), amizade, casamento e amor. Certas histórias são leves, outras verdadeiras comédias, outras ainda são dramas intensos. Mas, de uma ponta a outra, todas tratam de temas universais e comuns a todos nós. As tramas dos filmes não são complexas, não há reviravoltas ou finais catárticos. São quase uma slice of life.

Os filmes de OZU não agradam a todos, principalmente a quem está acostumado com filmes de super-heróis ou superproduções. E quem não gosta costuma taxar seus filmes de entediantes, sem história, cansativos e repetitivos.

OZU é o meu cineasta favorito. Mas, por quê?

Primeiramente, porque ele mostra que cinema não precisa ser grandioso. Nada de errado nisso. Mas ele mostra que o cinema pode ser intimista e feito de maneira simples e ainda assim atingir resultados magníficos. Em segundo, porque ele expõe a vida como ela é. Dizem que os maiores romancistas são aqueles que tentaram comprimir a vida em seus livros. Proust. Joyce. Balzac. Tolstói. Muitos tentam, poucos conseguem. Digamos que OZU está para o cinema como estes mencionados estão para a literatura.

A alegria de um marido ao jantar ao lado de sua esposa, a aceitação agridoce da solidão inevitável dos pais quando suas filhas saem de casa, a vergonha de um filho que não conseguiu ser o que sua mãe queria que ele fosse, o conflito geracional entre pais e filhos, a tentativa de estar mais presente/perto dos pais quando a vida (o emprego, o futuro) empurra para cada vez mais longe, o casamento como obrigação ou vontade, a preocupação em não decepcionar, não magoar… Temas universais a todos nós.

É o modo com que OZU mostra isso que me encanta tanto. Há algo quase zen em seus personagens. Aceitar o inevitável. Sentir satisfação e completude nas coisas mais simples e cotidianas. Ir com a vida, mesmo que ela nos leve a lugares onde na verdade não queremos estar. Por fim, em minha opinião, grande parte do cinema de OZU pode ser resumido em Amor. Amor pelos filhos, pelos pais, pelos maridos e esposas, por um período da vida, pelos amigos. As escolhas que fazemos por amor. O que perdemos por amor. E também há as nuances: desejo, afeto e vontade.

A cultura japonesa, ainda mais a da época dos filmes de OZU, não é dada a melodramas. É um povo mais contido, que geralmente guarda muitas coisas para si. Por isso, os melhores momentos de seus filmes são ou quando os personagens externalizam o que sentem ou quando guardam para si e sofrem as consequências. Em ambos os casos, há uma espécie de redenção difícil de explicar. Nas cenas mais conflituosas, por exemplo, os personagens não se olham. E geralmente o que está envergonhado ou errado é mostrado de costas. São essas sutilezas que me encantam tanto.

É complicado explicar porque ele é meu cineasta favorito. OZU, "o mais japonês de todos os cineastas". Mas, se eu tivesse que resumir o que tanto me encanta em algumas palavras, seriam: simplicidade e delicadeza.

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